Osman Lins
Se a filosofia dialoga com a poesia, isto se faz na
preparação expectante de um pensamento futuro e sob o resguardo da serenidade.
(Benedito
Nunes)
O I Simpósio Arte e Pensamento:
a poética de Osman Lins, organizado pelo Núcleo Interdisciplinar Kairós –
Pensamento da Arte e da Linguagem (NIK/UFPA), coordenado pelo Prof. Dr. Antônio
Máximo Ferraz, do Instituto de Letras e Comunicação da UFPA, é o primeiro de
uma série de eventos que se moverão sempre na perspectiva das relações entre a
arte e a filosofia. Em sua primeira edição, o evento se dedica a sondar a
poética de Osman Lins, autor cuja obra constitui uma das mais grandiosas
experiências ficcionais da língua portuguesa.
Não se sustenta a habitual
distinção entre ficção e filosofia, aquela entendida como a produção de imagens
que, embora com a atenuante de serem consideradas artísticas, não são reais,
esta como o
exercício do pensamento lógico à procura da verdade. Ficção é fictionis,
a criação advinda do fingere, a ação de modelar figuras na terra (no real),
praticada pelo figulus, o oleiro. A filosofia é mais do que o pensamento
enquanto produção de conceitos e representação de categorias lógicas sobre as
coisas. Pois pensar é curar, donde a palavra “penso”, curativo. Pensar é ter
desvelo para com aquilo que, por mais que se manifeste, sempre se abriga no
silencioso velamento das questões que o real dirige ao homem, convocando-o para
a arte e o pensamento.
A ficção, em Osman Lins, é a olaria que pensa, em
imagens que são questões, o lugar do homem no mundo, desafiando o leitor a
procurar o sentido do poema original que ele próprio é. Para que a arte, no
entanto, possa operar no horizonte existencial do intérprete, faz-se necessário
que ele não se prenda aos conceitos advindos de poéticas extrínsecas à dinâmica
das obras. Trata-se da necessidade de, em diálogo com a obra, deixar que ela
própria fale, pondo-se o intérprete à ausculta da poética que ela
intrinsecamente instaura. Este caminho é o da ética das questões, em que éthos diz a morada do homem, ser pertencente,
desde sempre, às questões manifestadas pela arte e pelo pensamento.
Autor de romances, contos, ensaios e peças de teatro,
a fase mais experimental da obra de Osman Lins tem início com o livro de
narrativas Nove, Novena (1966), obra
que, elaborando de modo radicalmente inovador os elementos da narrativa,
resgata a dimensão sagrada da linguagem e da vida. Desta fase é o monumental Avalovara
(1973), obra calidoscópica cuja complexa narrativa está baseada no movimento de
uma espiral que tangencia um quadrado dividido em vinte e cinco quadrados
menores, os quais contêm o palíndromo latino SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Avalovara
funde à alta experimentação romanesca o ensaio sobre o ato criador e a figuração
ontológica do universo. A originalidade, em Osman Lins, nunca é somente formal:
sua literatura incorpora à própria estrutura das obras os impasses, desafios e
promessas que se dirigem ao homem de nosso tempo.
A ficção osmaniana põe em xeque a conceituação
vigente nos domínios da crítica de arte. Em sua poética, o ficcional se
converte na plasmação de sentido do real e do homem. A imagem que sua obra
projeta da experiência artística faz com que ela deixe de pertencer ao domínio
do estético, compreendido em uma dimensão meramente formal, para se integrar ao
domínio da verdade. Esta não se articula mais em um registro estritamente
judicativo, que opõe o real ao falso (ou, como se costuma dizer, à ficção). A
verdade é retomada em sua primazia manifestativa e fenomênica, de modo a se
afigurar como o desvelamento (alétheia) das questões que o real dirige
ao homem. O pensamento, em sua obra, vai muito além e em bem maior profundidade
do que o exercício da lógica, articulando-se como a abertura ao questionamento
do logos (a linguagem), e que é, enfim, a questão de onde a própria
lógica provém, e que por isso mesmo lhe é subsidiária. À linguagem é atribuído
o poder de suscitação órfica do mundo, fazendo sua literatura se aproximar da
experiência cosmogônica dos mitos.
Vinculado ao Projeto de Pesquisa “O trágico na
modernidade literária brasileira”, coordenado pelo Prof. Dr. Antônio Máximo
Ferraz, o evento veicula a produção de pesquisadores do NIK/UFPA, e conta com a
honrosa participação de dois convidados: a Profa. Dra.
Sandra Nitrini, da USP – referência nacional nos estudos osmanianos, autora de
obras capitais, tais como Poéticas em confronto: Nove, Novena e o Novo Romance, e Transfigurações:
ensaios sobre a obra de Osman Lins – e o Prof. Dr. Sílvio Holanda, da UFPA,
que abordará a dimensão ensaística da obra do autor de Avalovara. O evento é também uma forma de reverenciar a memória do
pensador Benedito Nunes, que dedicou sua vida a sondar as relações entre a arte
e a filosofia.